quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Amiga do Peito


Esta vida é tramada. Quando somos novos temos o corpo, mas a cabeça ainda anda por aí à solta a deglutir tudo o que é experiência nova e descoberta. Quando envelhecemos o corpo começa a ceder, a descair, a esmorecer mas a cabeça só dá umas voltas de vez em quando, com o tino e a consciência de quem tem um porto de abrigo certo para ancorar. Ou seja, andamos sempre desencontrados de nós próprios. Quando o corpo está fresco e deveras dado a efusivas demonstrações de júbilo, euforia e energia profusa, quase que anda sozinho, sem a sapiência nem a paciência de uma cabeça sabida, com siso e tino. Quando a cabeça começa a ter a capacidade de cruzar as aprendizagens desenvolvidas ao longo dos anos até chegar ao ponto de perceber grande parte do todo e não somente de algumas das partes isoladas, o corpo começa a dar de si. Corpo sem cabeça. Cabeça sem corpo. Tudo bem que agora existem maneiras artificiais de tentar manter o corpo no estado da tenra idade mesmo quando ele já tem adiposidade propensa a coisas nada tenras mas muito flácidas. Ir à faca é a tentativa de esmerar o que se mostra à primeira com o intuito de coordenar harmoniosamente a evolução sofrida na cabeça com o pacote da mesma. Ao mesmo tempo é uma contrariedade porque uma cabeça que sofre do mau estar com o pacote que traz anexado é, à partida, uma cabeça pouco dada a consciências maturadas e com espiritualidades rarefeitas. Mas isso é o que dizem as más línguas. Eu cá não concordo. Se as minhas mamas coincidissem com os pensamentos produzidos pela minha cabeça, eram empinadas, andavam erguidas e demonstravam momentos salpicantes de clarividência. Trabalhavam para disseminar laivos de uma personalidade forte e eram duras, com o olhar para cima e sem mamilos de vitimização cabisbaixos. Mas não. As minhas mamas são murchas, chegando a assemelhar-se ao baixar dos braços de uma desistente estando, por isso, desconectadas da minha cabeça que calejou com o tempo, tendo aprendido ao mesmo tempo a ir para onde quer e a dizer não ao que não quer com uma maleabilidade orgânica livre, espontânea e apaziguante. Com base neste exemplo que põe a nú partes do corpo que já estão a entrar na fase da decadência, e ideias de uma cabeça que se sente no auge da tonificação e lubrificação, posso afirmar, sem pudores, que a faca é amiga. Eu ia lá, não fossem os números estapafúrdios inerentes ao preço tabelado de uma operação do género. Se vamos ao dentista para manter as favolas nos trinques, porquê o estigma de irmos ao encontro do senhor das plásticas, perito em intervenções de reintegração e reabilitação de partes do corpo físicas? Assim, não só a nossa cabeça fica mais liberta para investir em temas muito mais interessantes para um desenvolvimento de conhecimentos significativos para a evolução do interior, como o corpo consegue manter-se à altura da escalada crescente do âmago. Tudo a condizer - mesmo que seja à força. A ideia de decrescimento é o fio condutor para um futuro mais dado ao imaterial e por esse motivo afeito a uma vida mais risonha. Mas a ideia de decrescimento adida à imagem de um pelo par de glândulas mamárias (mesmo que artificiais) não é risonha: é de regozijo jubilar pleno, com espaço para gargalhadas sonoras sentidas em pano de fundo. A tipologia antiquada adjacente à imagem de inteligência já não faz sentido. Uma mulher inteligente pode e deve ter consciência da matéria que encaixota o seu próprio cérebro e fazer com que esse caixote seja da forma que a faz sentir-se bem. Seja com mamas grandes, com sobrancelhas grossas, com pêlos nas pernas ou depilação definitiva o que importa é que sejamos completas com o dentro a corresponder ao fora e vice-versa. Queimaram os sutiãs? Agora lutemos contra a lei da gravidade: cabeça erguida e peito para fora!  

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