terça-feira, 17 de março de 2015

É o Que Vossemecês Quiserem


A vida é uma luta, dizem por aí. Mas pode não ser. E quanto mais velha fico, mais me convenço disso. Toda a minha existência (ou grande parte dela) foi regida por inquietações, insatisfações, preocupações, contestações e muitos outros vocábulos com terminação idêntica (sem contar com partes do corpo humano). Mas, meus amigos e minhas amigas, é desnecessário. É a mesma coisa que confinarmos a nossa energia num canal estreito e apertado equiparável a um grito duradouro dirigido a um surdo. É tudo em vão. Nós não podemos querer ou ousar pensar que temos o poder de mudar os outros. Aliás não temos poder de controlar quase nada na vida e, diga-se de passagem, até chega a ser um bocado prepotente essa ideia que a nossa ideia é que está certa e que todos a devem seguir. A única coisa que temos nas mãos somos nós próprios e pouco mais. É a nossa maneira de viver, de olhar, de fazer, de pensar que determinam a mudança. A mudança em nós, pois claro está. Se o pessoal gosta do Aníbal ao ponto de tempos a tempos o eleger para lugares de chefia governamental, quem sou eu para lhes tirar isso da ideia? Se a malta se sente bem a passar fins-de-semana em shoppings a comprar coisas inúteis e a largar uma pegada ecológica interminável, quem sou eu para os impedir? Se as pessoas vivem em função de valores suigeneres como mentira, maldade, egoísmo, desprezo, racismo, homofobia, xenofobia, machismo e afins, quem sou eu para entrar na cabeça delas e activar as partes do cérebro que ainda não começaram a trabalhar? E não me venham cá com tretas de que eu sou melodramática! Isto são factos verídicos, comprovadamente presentes na massa comportamental de 90 por cento da população mundial, explicitados em estatísticas sem serem aquelas encomendadas pelos políticos (das fiáveis, portanto). Se as pessoas são assim, quem sou eu para que elas passem a ser assado? Não vale a pena tentar mudar ou transformar as coisas em função daquilo que nós achamos ser o melhor porque a grande maioria não tem o mesmo sentido de "melhor". O que é melhor para mim, não é o que é melhor para o meu vizinho do lado. Por isso, pessoal, depois de muito pensar (cerca de quarenta anos), tomei uma decisão: vou deixar de tentar mudar seja o que for exterior a mim própria. Tal como iniciei este texto, estou a ficar velha e as energias, como consequência de qualquer processo de desgaste temporal, estão a escassear. Preciso delas para outras coisas. Para arranjar soluções para mim própria de maneira a sentir-me melhor independentemente dos magicamentos dos grupos de influência social, política, económica ou religiosa que dão continuidade ao flagelo de desigualdades e injustiças em que vivemos. Eu vou viver a vida à minha maneira (esqueçam os xutos) e tentar deixar de esbracejar contra a maré. Como uma grande amiga minha diz "às vezes é preciso deixarmos-nos flutuar em vez de continuarmos a nadar contra a maré". É verdade. Isso pode levar-nos à exaustação e na hora do afogamento não vai aparecer nenhum gajo de abdominais bem definidos e com as costas em "v" para nos salvar. Se aparecer ainda vai ser para nos manter debaixo de água até ao minuto do término. Porque, no meu caso, para além de estar a ficar flácida e com uma aparência agastada, sou mulher, com um grau académico superior, e ele só vai conseguir ver-me como uma ameaça num qualquer processo de recrutamento de emprego. Dizem que os quarenta mudam as pessoas. Para mim faz mais sentido dizer que as pessoas é que mudam com os quarenta porque são muitos anos a acumular experiência e a desenvolver aprendizagens ou a virar frangos (para usar uma terminologia menos séria) seja através de observação directa, indirecta ou mesmo participativa. Não quero com isto dizer que me vou transformar numa hippie a apregoar boas energias, a paz, o amor, com palavras coloridas de positivismo onde o único vocábulo com nuances de uma pitada de corrosão é "ácido". Mas que vou deixar de esbracejar, lá isso vou. Que a luz vos acompanhe companheiros. Ou as trevas. Depende do que acharem ser o mais adequado para as vossas pessoas.