segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A Ciência das Selfies


Estava eu no outro dia no varandim de um sítio que me dá acesso a uma vista privilegiada sobre a Praça do Comércio, em Lisboa, quando me apercebi de uma série de estados comportamentais das pessoas aquando da sua entrega à execução de uma selfie. Nesse momento cintilou-me uma parga de clarividências que até então viviam no fundo do meu imo, num lugar escondido e desfrequentado pela clareza consciente do pensamento racional. Fiquei a saber porque é que as fotos das gajas nas redes sociais fazem delas autênticas musas dignas de inspiração para os deleites de milhares de seguidores mesmo quando, na verdade, essas mesmas gajas não devem muito à beleza quando se lhes avista o trombil ao vivo e a cores. Pois que então o motivo de tanta fotogenia é, nada mais nada menos, do que a pose somada a um rol de truques tecnológicos que se lhe juntam a seguir. As poses levadas a cabo numa praça com centenas de passantes parecem reproduzir as sessões fotográficas do antigamente com a diferença que não há equipa nem manequim. A pessoa e o pau com o telemóvel na ponta substituem o glamour da sala com os painéis de fundo a fingir de paisagens, o fotógrafo e o assistente. Só se vêem pézinhos em ponta, pernis alçados, boquinhas de peixe, mãozinhas na nuca e olhos semi-fechados - isto vezes e vezes sem conta até se achar aquela chapa que é digna de ser passada para o computador para depois levar com umas photoshupadas que a elevem ao estatuto das mais gostadas (na terminologia do facebook são aquelas fotos que têm mais do que 100 likes). Nesse momento de observação pensei que sou uma pobre coitada sem a capacidade de ambicionar parecer bonita. Senti-me uma triste por ser incapaz de algum dia fazer poses daquelas, com um pau na mão, em frente a centenas de desconhecidos. Constatei que nunca vou ser popular nas redes sociais e depois de dar um estalo na cara a mim própria para matar uma melga que me poisou na bochecha, voltei à realidade e fiquei feliz por saber que aquilo que mostro ser é aquilo que sou, seja nas fotos, seja onde for. Esta história do "Me, Myselfie and I" é tão amacacada que eu quero estar de fora para me divertir a assistir à palhaçada e rir-me às bandeiras despregadas. Eu até acho bem as pessoas gostarem de si próprias ao ponto de acreditarem que nunca fazem figuras tristes. Porque a cena das figuras tristes só é real quando se equaciona a importância da opinião dos outros. Epah! Mas poupem-me! Façam essas figuras em becos refundidos ou em casa - a Praça do Comércio, o rio, a luz, os barcos não merecem tanta tristeza junta.