quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O Amor


Durante séculos vários escritores, eruditos, filósofos, pensadores e comuns mortais investiram e continuam a investir uma parcela do seu tempo a reflectir sobre o amor. Há obras, criações, registos incógnitos e memórias pessoais de todos os formatos e feitios que o tentam definir ou, pelo menos, perceber. No fundo, grande parte delas são, na sua essência, odes ao chamado sentimento mais forte e mais bonito do mundo. Quando penso em amor a primeira ideia que me vem à cabeça são as minhas filhas. A entrega incondicional que lhes ofereço desde o dia em que soube que elas existiam, sem a expectativa de ter qualquer tipo de retorno equivalente faz-me acreditar que esse é o amor em estado mais puro que se pode encontrar. Ter a certeza que um sentimento nos pode levar a dar a própria vida por alguém, sem pestanejar, e que podemos virar o mundo do avesso com as próprias mãos para esse alguém estar bem só pode ser o resultado do amor na sua verdadeira acepção da palavra. No decorrer desta história que dura há quase vinte anos também tenho tentado oferecer-lhes algumas aprendizagens que considero serem ferramentas úteis para o nosso contributo no mundo enquanto seres humanos. Quando elas eram pequenas, costumava dizer-lhes - "só há duas coisas no mundo que não fazem mal, mesmo quando são em excesso: o peixe e o amor." Isto foi há duas décadas, quando o mar e os oceanos ainda eram fontes de alimentação mais ou menos segura. Mais recentemente a frase diminuiu - "só há uma coisa no mundo que não faz mal, mesmo quando é em excesso: o amor." Mas para cometer esse excesso é preciso saber que estamos perante ele. Muitas das vezes pensamos que estamos, mas é uma mera ilusão. A ilusão criada pela necessidade de o sentirmos por alguém e de esse alguém o sentir por nós. Nessa fase embrionária tendemos a ludibriarmo-nos com fantasias pré-idealizadas que, durante anos, fomos construindo como sendo o verdadeiro significado de amor. Eu, claro, só posso dizer o que é o amor através dos meus olhos e com base naquilo que tenho vivido e sentido. Não há um significado único para o definir. Porque é sempre diferente e sentido de muitas maneiras. Como mãe, como mulher, como ser humano. Eu já o senti de várias maneiras o que faz de mim alguém que o pode descrever, mesmo que seja através de experiências muito pessoais e, por isso, de difícil universalização. Mas há verdades que podem ser generalizadas por estarem intrinsecamente ligadas a esta forma de sentir. Quando sentimos amor vemos tudo mais luminoso, nem que seja o próprio objecto amado. Mas, geralmente tudo emana mais brilho. As plantas, as pessoas, as ruas e até o céu cinzento. Também sentimos uma necessidade pura de partilhar coisas boas e de fazer os outros felizes disseminando aquilo que nós próprios estamos a vivenciar por dentro. Às vezes essa vivência mostra-se através do estômago, ou das pernas, ou do peito, ou de todos ao mesmo tempo,  Tudo se torna mais bonito e até chegamos a transformar-nos em seres estranhos a nós próprios ao verbalizar beleza que não se avista por quem não ama. A maneira de falar muda. Ficamos mais meigos, como se as cordas vocais amaciassem. Os conteúdos das frases proferidas também se tornam mais positivos e com uma paz e calmia que nos parece deixar a flutuar no lugar de andar. Ninguém que ama diz "tens que mudar de penteado." Quem sente amor, gosta de tudo no outro, seja dos defeitos, seja dos feitios e a violência é dissipada pela luz emanada pelo ser amado que tem a capacidade de acalmar e de transformar tudo em energia boa. A maneira como olhamos alguém que amamos realmente faz esse alguém sentir-se especial mesmo sem palavras. O olhar para dentro a partir de uma conexão umbilical invisível diz o maior "amo-te" que pode existir mesmo sendo em silêncio. Quando o amor existe ele consegue-se fazer através dos corpos. Os corpos são as extensões do que está por dentro e a materialização do sentimento da alma. Também se fazem pactos sem sangue. Amar é isso. É saber que o objecto amado vai ter lugar cativo em nós para sempre. Mesmo que um dia essa parte parta, fica lá o lugar guardado sem hipótese de reocupação. Quando isso acontece pode morrer-se de amor. Não só no sentido literal mas também no desalmar do corpo. A alma foge-nos e não volta. Perde-se para sempre e é como um corpo que fica sem ser enterrado, mesmo estando morta. Porque o amor é quase uma fusão de duas almas e a partida de uma implica a partida de outra ou, pelo menos, de grande parte dela. No fundo, nunca conseguimos inteirar-nos outra vez. Quando amamos pensamos em nós com outro e fazemos tudo pelo nós e não por um. É impulsivo. Não é premeditado. Quer-se o bem de quem amamos a cada minuto sem planear estratégias rebuscadas para o fazer. Fazer bem ao ser amado torna-se no respirar da alma - é natural e nem se pensa nisso. Amar é tudo e ao mesmo tempo é tão pouco. Não exige esforços nem sacrifícios. Sai de nós, simplesmente. Deve ser por se tratar do maior sentimento do mundo com o formato mais invisível que existe que é tão difícil de se achar. A maioria procura-o a toda a hora, mas o amor, encontra-se de olhos fechados. Ele só se sente. Não se vê a olhos nús.

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