sábado, 12 de julho de 2014

PPR - Plano Para a Reforma


A Terra não gira à volta do Sol. O Galileu que me perdoe, mas o seu lugar na história já teve os seus dias de glória. A Terra gira à volta do dinheiro.O Sol passou a papel secundário por ter sido eclipsado pela moeda. Segundo os estudos mais recentes que apontam para um aumento da esperança de vida da população ocidental para uma média de uns belos oitenta anos e calculando que uma pessoa se torna maior de idade aos dezoito, com uma subentendida capacidade de começar a arranjar técnicas de sobrevivência e autonomia, o resultado é que o tempo estimado que cada um de nós perde a tentar arranjar graveto é de sessenta e dois anos. Este facto, aliado aos consecutivos aumentos da idade da reforma, pressupõe igualmente um futuro laboral repleto de trabalhadores com alzheimer, andarilhos, incontinência e tudo o que acarreta o peso da idade. Portanto, como a obrigatoriedade do sustento advém de regras peculiares que transcendem o bom-senso e a hegemonia social, o futuro da vida coexiste com a ideia de que o ganha-pão de cada um de nós tenha que ser ganho de qualquer maneira até à hora de irmos desta para melhor. Seja a trabalhar, seja a tentar arranjar trabalho (estou a imaginar-me numa entrevista com a placa dentária a cair-me enquanto falo), seja a roubar, seja a desviar, seja a magicar técnicas para adquirir o bem material mais imaterial do Mundo: dinheiro. É que oitenta por cento desta fonte da ganância não existe. Na realidade, só vinte por cento do dinheiro que dizem existir por aí é que é de facto palpável. Todo o resto é virtual. Mas isso é só um pormenor porque desde que a conta bancária aprovisione os pagamentos das contas e que o saldo permita comprar e adquirir coisas, o facto do dinheiro não existir fisicamente não interessa a ninguém. Só aos que o gerem. Para que possam especular sobre  a sua existência, sobre o seu valor e inventar milhares de histórias da carochinha sobre o que lhe está a acontecer, mesmo que se tratem de histórias rocambolescas de mentes dementes que não deixam, pelo mesmo motivo, de ser brilhantes e deveras criativas. Nós, o povão, caímos que nem patinhos nas canções dos bandidos. Eu, pelo menos, caio. Por enquanto. O meu senhorio não me parece ser uma pessoa atreita a clubes de trocas e economias alternativas. Logo, tenho que me certificar todos os meses que garanto o dinheiro da renda para lhe pagar a casa. Depois, atrás da casa, vem tudo o que faz com que a mesma seja um lugar habitável com o mínimo de conforto: a água, o gás, a eletricidade, a internet. E se a ideia de propor ao senhorio um sistema de trocas já é uma utopia, essa mesma ideia, quando aplicada a um universo de empresas multinacionais multimilionárias, torna-se surreal e passível de um aborto antes do seu próprio concebimento. Posto isto, visto que eu também faço parte integrante do número de pessoas que compõem a grande massa movível a pilim e que para novo ninguém vai, tem-me assaltado um pensamento violento sobre um futuro que cada vez mais se começa a assemelhar a um presente. Revejo-me numa imagem recorrente, com andarilhos, a levantar-me todos os dias para tentar arrecadar uns trocos para sobreviver. A visão decadente normalmente bifurca para uma bipolaridade emocional automática - nunca sei se hei-de rir ou chorar. Mas uma acaba por compensar a outra e acabo sempre por retomar o equilíbrio necessário para fazer planos. Aquele que me parece mais fiável e tangível é o de comprar um terreno, construir uma cabana com painéis solares, plantar tudo com as minhas próprias mãos, comprar galinhas para ter ovos (proteínas) e fazer um furo de água. Assim não tenho que me preocupar em arranjar nota para viver. Crio uma vida auto-sustentável, afastada do rol de gente que vai compor o mercado de trabalho daqui a vinte anos, arrastando-se com os andarilhos, com auscultadores que indicam o percurso para o seu posto de trabalho porque já têm alzheimer e com mochilas cheias de fraldas para a incontinência e cola para as placas dentárias. O único senão deste plano para a reforma, contudo, não me deixa totalmente descansada e aliviada. Para o levar a cabo preciso de ter uma coisa que é imperativa para aquando da aquisição do terreno e afins: dinheiro. 

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