terça-feira, 24 de junho de 2014

O Pior Filme do Ano



Das coisas que as pessoas fazem de melhor e só poucos levam à prática são filmes. Um pensamento leva ao outro e está o enredo feito. Alguns têm apetência para o drama, outros para o terror. É conforme. Eu sou mais atreita à comédia. Ou, se calhar, sou fácil de fazer rir e olho para os meus filmes imaginários como verdadeiras odes ao riso. No outro dia deixei-me levar por um guião a agoirar um futuro com poucos ou nenhuns habitantes no berlinde azul. Era um género de "Cast Way", comigo no lugar do Tom Hanks mas sem o côco (gosto de comédia, mas minimamente inteligente). A trama passava-se em Portugal que per si já é uma ilha recôndita, com habitantes desconhecedores de coisas básicas como livros, direitos humanos, política, arte e tudo aquilo que era suposto ser enaltecido num evolucionismo positivo do Homem. A ideia do argumento assaltou-me quando estava a pentear-me ao espelho. Pensei: "se não houvessem escovas para o cabelo, máscaras capilares, champôs hidratantes e tintas de coloração a minha gadelha era uma autêntica selva. Pior: era uma mata ranhosa porque as selvas ainda têm glamour e plantas exóticas. O meu cabelo seria mais do género menina da selva versão macabra - encrespado, com vontade própria para se dar ao luxo de crescer nas direções erradas e com cás espalhadas aleatoriamente sem o charme embutido na ideia de que o grisalho é charmoso. Qual charmoso, qual quê! Com a tez moreno-amarelada que tenho e madeixas grisalhas fundidas com uns fios castanho cocó de origem, ia parecer a madrasta da branca de neve no dia em que lhe entrega a maçã, com a agravante de não estar penteadinha com um rabicho lambido. Depois, passei do cabelo para a cara. Sem os cremes hidratantes, as bases para tapar as imperfeições, o rímel para estender as pestanas ao tamanho da infância e os batons para disfarçar a mirração característica do avançar da idade, a imagem da madrasta da branca de neve despenteada é de uma miss mundo quando comparada com esta triste figura. Isto já para não falar na descomposição hormonal que está em curso e que provoca o aparecimento de pêlos onde uma mulher não os devia ter. E isso, meus amigos, só se trata como se tratam as ervas daninhas: é arrancá-los pela raíz, só que em vez de ser com uma enxada é com uma pinça. Sim, porque a invenção da foto-depilação (como a grande maioria das últimas invenções da humanidade) é só para alguns. Eu não tenho dinheiro para mandar cantar um cego, quanto mais para ir a sessões contínuas de depilação a laser que, mesmo com um custo faseado, saem caras para caramba. O pensamento dos pêlos na cara levou-me instantaneamente para pêlos noutras partes do corpo. Não vai ser preciso fazer uma descrição exaustiva e minuciosa para perceberem que o meu corpo de morena, propenso a raízes capilares fortes em número e espessura iam conquistar cada poro da minha pele. A imagem não é bonita de se imaginar, quanto mais de se escrever. Depois vieram-me as unhas dos pés à ideia. Unhas essas que, por enquanto, ainda podem ser assim apelidadas, porque (não sei se sabem), com a idade, essas lâminas córneas que revestem a extremidade dorsal dos dedos transformam-se em cascos com camadas exauridamente sobrepostas, equivalentes aos dos paquidermes e ruminantes, acumulando uma textura e espessura que só se desbastam com alicates de corte para metal. Até agora, só a descrição física da protagonista do filme - eu - já seria um garante para nomeação do pior filme cómico do ano. E dei-me por satisfeita. Antes falarem mal do que não falarem. Nesse dia, dei a trama por findada e lembrei-me de ter tido uma conversa com o meu irmão sobre a herança genética. Ainda hoje nos perguntamos como é que com um pai e uma mãe lindos de morrer como são, saímos assim. E, agora com descendentes diretos que são a personificação da beleza, a questão ainda se eleva a um patamar mais elaborado chegando a atingir níveis de insanidade que ainda hoje me fazem ir a correr para o espelho só para ter a certeza que não sou eu que ando a ver mal. E a fazer filmes, claro.

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