sábado, 21 de junho de 2014

O jogo do contrário - Capítulo II

Neste bonito dia de um verão pré-anunciado por raios de sol luminosos e sem nuvens no céu, apetece sair e laurear a pevide por essas ruas afora com um sorriso na cara, acolhendo a simpatia dos pares que dedicam a vida a meditar sobre o bem-estar dos outros e a arranjar mecanismos para garante de um mundo harmonioso, equilibrado, pacífico e solidário. Adoro as pessoas. São a melhor invenção do universo. Sem elas, o planeta não teria safa possível e ia acabar por extinguir-se. O mar não ia ser um espaço viável para habitat de corais, espécies raras submarinas, nem para acolher banhos de praia e ecossistemas funcionais. As florestas não iam sobreviver, perdendo per si espécimes vegetativos seculares, animais incomuns e capacidade na propagação de filtragem de matérias nocivas existentes no ar. Os campos iriam auto.produzir químicos corrosivos para o plantio, pondo em causa a sustentabilidade dos produtos que providenciam a alimentação da humanidade e iriam auto-mutilar-se com a criação espontânea de espécies transgénicas geradoras de cancros e doenças genéticas irreversíveis. O ar que respiramos não seria tão limpo e as pessoas e todos os seres vivos iriam começar a ter problemas de saúde agravados, quer no aparelho respiratório quer em todos os organismos que mantêm a vida dos mesmos com um grau de qualidade elevado e saudável. Ainda bem que o ser humano tem uma consciência avançada capaz de prover tudo o que é necessário para o equilíbrio da vida no planeta terra. Esta paz em que vivemos por termos a segurança de que fazemos parte de uma civilização tão desenvolvida espiritualmente baseada em sistemas de autogestão, solidariedade, compaixão e entreajuda faz de nós uma espécie sem igual. Agora, por exemplo, tenho que ir dar o meu primeiro contributo do dia para a manutenção deste sistema de vida perfeito: deslocar-me a um prédio vizinho, recolher o caixote do lixo da rua para os habitantes desse fogo terem menos dificuldade em despejar os detritos que produzem, sem terem que sair de casa para o efeito. É que o caixote do lixo é um paralelipípedo verde, com rodas, e tem que ser retirado todos os fins de dia para o passeio de modo a que as pessoas que recolhem os seus conteúdos o tenham mais à mão. Mas como os habitantes do prédio não gostam de fazer isso, faço eu. Depois, pela manhã, volto a colocá-lo no seu retiro e assim os seus donos não têm que passar pela dificuldade angustiante de porem os pés do lado de fora da entrada das suas casas para se livrarem dos despejos daquilo que vão consumindo ao londo do dia. É que é uma situação deveras constrangedora, essa de abrir a porta para deitar fora aquilo que já não se quer ou que já não serve para nada. Houve um dia em que não pude ajudá-los nesta missão humanitária. Tive que ir fazer uns exames médicos e não cheguei a horas. O pobre do caixote verde com rodas passou o dia a céu aberto, à mercê das intempéries. Mas, quando cheguei, fui tratar do assunto e os pobres dos habitantes do prédio, que devem ter ficado tão desnorteados (coitados), tinham deixado todos os sacos do lixo no chão do hall de entrada do prédio. Devem ter entrado em pânico por não verem o caixote que está sempre ali, naquele cantinho, acolhido e à espera de receber o esbulho de cada um. Nesse dia senti-me mal. Culpada e preocupada. Não tinha conseguido contribuir eficazmente para a harmonia comunitária em que vivo, tendo provocado desiquilíbrio e irritabilidade desnecessários nos outros. Contudo, foi só um episódio sem exemplo. Bem, está na hora de ir. Não posso falhar a tão árdua tarefa que me foi incumbida por um contributo mensal exageradamente inflacionado de 20€. Só por isso, eles merecem tudo de mim.  

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