quinta-feira, 19 de junho de 2014

O jogo do contrário - Capítulo I

Jogar e brincar ainda é grátis. Posto isto, vamos a isso.
Um dos jogos mais simples, divertidos e que provoca um número exuberante de produção de endorfinas é o jogo do contrário. Dizermos tudo ao contrário daquilo que achamos, queremos ou fazemos, para além de não se tratar de uma ciência complexa, faz gargalhar até à lágrima. Como hoje paira no ar uma vontade de provocar o riso, sem ter que passar pelo cúmulo de fazer cócegas a mim própria, vou escrever conteúdos opostos das minhas desinteressantes considerações sobre o mundo.
Por exemplo, acho perfeitamente razoável que a eletricidade em Portugal seja a mais cara da Europa. Tem que ser, para os acionistas das empresas que exploram a dita cuja ganharem muito dinheiro. Acho justo, apropriado e acredito que eles merecem ter muita riqueza nas suas contas offshore com o dinheiro das pessoas que labutam para sobreviver. As pessoas que labutam são seres inferiores que não se esforçaram para ser alguém importante na vida e acumular riqueza material de maneira a comprarem um bom carro, várias casas, roupa de marca, perfumes caros, cirurgias plásticas, aviões a jato e tudo o que de melhor há nesta vida. Essas pessoas não têm ambições, por isso merecem ser castigadas pelas outras (superiores) que toda a vida pensaram em grande, estudaram técnicas muito elaboradas de conseguir enriquecer e tiveram a esperteza de se intrusar com aquelas que já eram mestres nessa arte há muitos anos - verdadeiros sábios anciães que dedicaram toda uma vida a lobbies e favores em cadeia, mas só nos círculos restritos dos iluminados. 
Outra coisa que tenho que tornar pública dando a conhecer aos meus milhares de seguidores é que hoje descobri que a Junta de Freguesia da área da minha residência funciona muito melhor do que qualquer outra. Para além de eu morar nesta zona há relativamente pouco tempo, tive a prova provada de que isso é uma verdade incontestável. Como desempregada (e inferior) que sou, fui lá fazer a apresentação quinzenal que existe para nos fazer lembrar que somos da classe inferior, que vive dos subsídios e dos apoios dos superiores, que são uns pios em ainda nos ajudarem a ter algum dinheiro no bolso durante um ou dois dias por mês. Mas adiante, as senhoras do atendimento da Junta de Freguesia, simpáticas, luminosas e muito prestáveis, fizeram o favor de me carimbar o papel do controle quinzenal e, depois do bondoso e altruísta ato de me darem outro papel com a nova data, ainda ouviram um pedido que tinha para lhes fazer. Imaginem só a caridade desta gente exemplar. Eu tive a ousadia de pedir para colocar um cartaz, dirigido a todos os inferiores que para aí andam, sem capacidade para arranjar um emprego que seja, com a informação e contatos de grupos de entreajuda para pessoas como nós. As senhoras olharam para o cartaz, com um olhar bondoso e caritativo e disseram: "Para colocar coisas dessas no nosso painel de cortiça, tem que pagar 10€.". Eu fiquei para morrer. Não tinha 10€ para poder ter a honra de colocar o cartaz no magnífico painel de cortiça da melhor Junta de Freguesia do mundo. Embaraçada, curvei-me e disse: 
"MAS VOCÊS ESTÃO TODOS DOIDOS OU QUÊ?!? ISTO É UM CARTAZ PARA AJUDAR AS PESSOAS QUE NÃO CONSEGUEM ARRANJAR EMPREGO. OU SEJA, PARA DESEMPREGADOS!!! E AS JUNTAS DE FREGUESIA, SUPOSTAMENTE, SÃO AS REPRESENTANTES LOCAIS DAS PESSOAS E SERVEM PARA AS AJUDAR!!!! TER QUE PAGAR PARA USAR UMA MERDA DUM PAINEL DE CORTIÇA DUM ESPAÇO QUE É NOSSO????"
Pronto. Perdi o jogo! Não consegui controlar-me. Só por isso, agora fico uma vez sem jogar.  

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