sábado, 10 de outubro de 2015

A mulher coisa


Desde os tempos antigos que assistimos a uma dominância dos homens sobre as mulheres. Seja a nível físico, psicológico, emocional e de desejo carnal o homem, na esmagadora maioria das culturas de muitos pontos geográficos do planeta, é rei e senhor e assegura o seu lugar através desta tradição de persistência infinita que o coloca no topo da cadeia dos seres humanos sem contestações de maior. São muitos os exemplos literários que retratam esta realidade ao longo dos tempo, servindo, deste modo, para concluir que a ideia de mulher como mero objecto servil ou de desejo é de facto uma cultura persistente desde há muito. Simone de Beauvoir, por exemplo, retrata a mulher, ironicamente, como o Segundo Sexo, obra em que explora o desequilíbrio estrutural na sociedade relativamente ao poder entre os géneros. O homem surge como o dominador de todas as esferas sociais e a mulher como uma mera seguidora dessa dominância. É quase como se esse lugar da mulher fosse inquestionável e, por esse motivo, incontestável. Ela cresce com uma verdade que lhe é incutida sobre a aceitação das tradições ancestrais que a colocam na segunda linha de importância ou relevância no mundo. A sua relevância só sobressai em esporádicos casos que na maioria das vezes não têm o intuito de a elevar a um patamar de igualdade em relação ao homem mas sim de a expor aos deleites de desejo do macho. Nas indústrias pornográficas, publicitárias e outras é visível o uso exacerbado da mulher enquanto objecto de desejo que serve única e exclusivamente o fim de satisfazer os apetites sexuais do homem. Ela surge, na maior parte das vezes, como um corpo a partir do qual o homem pode satisfazer todas as suas vontades ou vaguear livremente nos seus fetiches sem que para isso haja o cuidado de qualquer investimento emocional ou afectivo. A mulher é aqui um mero objecto capaz de satisfazer as necessidades físicas do homem, tal como um carro ou como um prato de comida. A inclinação persistente em manter este ciclo histórico-social sugere que para além do homem dominador, a própria mulher tende a deixar-se dominar sem que tente sequer inverter esta realidade. Mas o uso do corpo nem é o pior porque convenhamos que até estamos a equiparar-nos a esse nível de exploração: o corpo do homem também já é usado com esses fins mais ou menos no mesmo grau de coisificação. O maior problema está na dissimulação constante que teima em provar que as coisas já estão bem assim, mesmo não estando. Ao longo dos tempos também já assistimos a esporádicas tentativas de conquista de um lugar igualitário para o sexo feminino, tentativas essas que sortiram algumas mudanças. Contudo, o estado de igualdade apresenta-se agora como uma realidade dissimulada que à primeira vista coloca a mulher no mesmo grau de relevância social que o homem mas que, no fundo, ainda coexiste com as tradições ancestrais traduzidas por um rol de submissões pré-adquiridas. A mulher de hoje vivencia uma realidade que ainda é demasiado próxima à que era colocada no papel de servilismo, sem quaisquer direitos, inclusive o de votar, opinar, assumir lugares de chefia ou de relevância social. Este passado recente ainda está vincado, mesmo que num grau mais subtil, mas é impeditivo de uma mudança real face a séculos de subserviência e do assumir de um papel secundário na história da humanidade. Eu sou mulher e sinto isso, todos os dias.  

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