sábado, 22 de novembro de 2014

Heróis de Intas e Entas


A vida tem-me presenteado de pessoas recheadas de almas aveludadas contribuindo para a satisfação do palato do meu dia-a-dia, evidenciada por uma salivação pavloviana instantânea que se torna, muitas vezes, fisicamente visível. Estas pessoas que mereciam odes atrás de odes pelo que são, pelo que fazem e pela maneira como vivem, são super heróis e heroínas que passam despercebidos porque não usam collants de lycra nem capas de nylon berrantes. Mas não é esse o objectivo desta gente. Também não sei qual será mas acho que para eles o que conta não são os fins e sim os meios. Esta catrefada de pessoas que me orgulho de conhecer ou com quem já me cruzei faz coisas incríveis e apresenta-se ao mundo tal como é, sem pingo de estratégia monopolizadora de centralismos masturbadores do ego. Fazem, constroem, partilham, lutam porque são assim mesmo e não querem canalizar as energias para serem outra coisa. Isso é de coragem. Ter a capacidade de abraçar a vida com a tenacidade e lucidez necessárias para não incorrerem em desvios do caminho que traçaram é de gente. Fazem pranchas de surf e tatuagens quando bem lhes apetece, mesmo que no cartão de lei apresentem uma idade que não será aquela vista como a adequada para tais atos transgressivos da normalidade. Vão a concertos de música não ligeira a meio da semana e desconstroem o dito e apoderado pela maioria, numa idade que até há bem pouco tempo estava associada à antecipação do pé para a cova. Pegam nelas próprias e deixam-se levar por turismos de pés descalços, sem a customização generalizada inerente ao estatuto de adulto. Deitam-se no chão da rua depois de uma noite de diversão, sem se deixarem influenciar pelas leis com que o homem se encarcerou a ele mesmo. Libertam pré conceitos em espaços educativos onde as tentativas de moldagem de cabeças são prática comum. Ousam derrubar muralhas erguidas ao longo dos tempos para os encarcerar no grupo dos indesejados por parte de quem só deseja quem tem a guelra no sangue por ser propícia a uma energia profusa de contributo direto para a produtividade tal como ela é vista hoje. Têm a coragem de romper com o conceito de inutilidade associado a anos e anos de experiência vivida e, por esse motivo, aglomerada por sabedorias acrescentadas pelos dias, horas e segundos que só chegam com o tempo. As pessoas dos intas e dos entas de hoje em dia tentam resgatar a dignidade que tem vindo a ser diluída na acidez corrosiva de um sistema decadente que já provou ser falível e não fiável, mas que teima em empurrar a sua verdade para aqueles que ainda fazem questão de manter uma postura antagónica ao instituído. À Carola por ser a grande mulher que é fazendo do dia a dia a construção de uma mudança real e positiva junto a centenas de crianças em contexto escolar. Ao Marco por servir de exemplo para toda uma geração que não tem que se sentir castrada por estar a envelhecer e sim abraçar aquilo com que sonha, seja através de tatuagens, ou do que lhe der na real gana. Ao João por ser a pessoa que sempre foi conseguindo conciliar tudo na vida através daquilo em que acredita através da música punk, disseminando a ideia de ideal convicto. À João por ser livre e jovial, ignorando aquilo que um mar de gente quer que ela seja mesmo não sendo aquilo que ela quer. Ao Luís por ignorar o estatuto e poder e seguir o caminho que escolheu, usando as armas que tem para alertar os outros das maneiras mais simples e saudáveis. À Ana por ser amiga e lançar amor a tudo e todos, tenham eles metade da idade dela, tenham eles o dobro dos anos. À Teresa por romper com a imagem instituída associada a pessoas com quarenta anos de idade, lutando pelos seus ideais a cantar crust-punk, a ir a concertos de trash, com um trabalho de dia que é esmagador de quereres e vontades. À Conceição e ao Miguel por terem tido a coragem de começar do zero numa idade que todos associam ao vislumbre do atingir os cem. À Lia por rebolar na lama com as crianças como se fosse uma delas e por ensinar-lhes que a compota vem dos frutos que vêm da terra. À Maria João pelas provas diárias que oferece ao mundo de que a mulher é tão capaz como o homem. A todos os que são um exemplo daquilo que eu quero ser (eu própria) e que, por esse motivo, são os meus heróis.

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